Ei!, espera aí Isso aqui NÃO é um mangá!

Ei!, espera aí! Isso aqui NÃO é um mangá! Vai começar a ler a nossa estória pelo final? Se você quer lê-la com sentido, clique aqui e vá para o primeiro... "capítulo” (que é do dia 02/04/2014). Depois... é só clicar em "Postagem mais recente" (do lado esquerdo, no rodapé de cada página!) ou... deslizar o dedo (também para a esquerda), como se estivesse virando uma página de um livro!!!).Então!, boa leitura! (e... espero que goste!!!)

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Você não é como um irmão. Nunca foi!


— Nunca! Desde quando você vem me dizer como devo me vestir? Afinal, para você, não passo de uma prima! Que direi­to tem de me criticar?

— Eu a considero como uma irmã — ele corrigiu, conscien­te de que mentia, pois isso fora antes de haverem se beijado. De lá para cá, muita coisa havia mudado em seu íntimo. Armando desejava sinceramente poder voltar a encará-la como a irmãzinha que nunca tivera, mas parecia impossível alimentar senti­mentos fraternais em relação a Beatriz, aquela noite. Droga! Por que as coisas tinham que mudar?

As palavras de Armando mais uma vez a magoaram, pois, por mais que tentasse, parecia que jamais ia conseguir fazer com que ele a enxergasse com outros olhos. Mas, procurando não deixar transparecer a tristeza que a abatia, ergueu o queixo e disse simplesmente:

— Mas, para mim, você não é como um irmão. Nunca foi. E, agora, se me der licença, meu acompanhante já deve estar me procurando.

Armando agarrou-a pelo pulso.

— Acompanhante? Que acompanhante?! — perguntou, in­dignado. — Está querendo me dizer que veio acompanhada de um rapaz mesmo usando esse vestido? — A ideia o revoltava.

— Bem, você não achou que eu viria acompanhada de uma moça, não é?

Nisso, Roberto entrou no escritório e tornou a fechar a porta.

— Vocês dois querem, por favor, falar mais baixo? Estão dando um verdadeiro show para os convidados. Armando, solte-a! Quanto a você, Betty, acho melhor voltar logo para a sala. Todos os rapazes já deram pela sua falta.

— Eu imagino — adiantou-se Armando, antes que ela pudesse se pronunciar. — Com esse vestido, qualquer uma faria sucesso.

Roberto riu do ciúme do filho.

— Ora, Armando, deixe de agir como criança! Ela está linda e merece se divertir.

— Criança? Não seja ridículo, papai; só estou tentando protegê-la. Ela é como uma irmã para...

— Diabos, Don Armando Mendoza! — Beatriz explodiu. — Se você repetir mais uma vez que sou como uma irmã para você, não me responsabilizo por meus atos. E com licença, cavalhei­ros, pois pretendo aproveitar esta festa ao máximo.

— Ei, espere, Betty! — disse Armando, apressado. — Você não pretende voltar para lá vestida assim, não é?

— Observe e verá!

De tão nervosa e indignada, Beatriz nem se importou com os olhares que atraiu ao voltar para a festa. Armando era mesmo um sujeitinho petulante! Só faltava agora querer dar palpites nas roupas dela! Que lhe importava se nunca mais o visse? Sua vontade naquele instante era de voltar para casa e refugiar-se no escuro de seu quarto.

Mas Beatriz sabia que agindo assim iria de encontro à von­tade dele, e isso seria dar-lhe mais importância do que merecia. O melhor era ficar até o fim da festa e tirar o máximo proveito da ocasião.

Nem bem chegara à festa quando alguém a enlaçou pela cin­tura e ergueu-a do chão, fazendo-a rodopiar. Temendo perder o equilíbrio, foi obrigada a apoiar-se num par de ombros lar­gos e musculosos e, antes que pudesse recuperar o fôlego, viu-se pressionada contra um peito largo.

— Beatriz, meu amor — disse o moço barbudo, que a bei­jou apaixonadamente. — É sempre um prazer revê-la.


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terça-feira, 29 de abril de 2014

Muito... provocante


— Que diabos você pensa que está fazendo? — ele indagou, mesmo sabendo que estava sendo rude e grosseiro.

No entanto, era impossível conter-se. Aquela era Betty! Ain­da há pouco sua simples visão o excitara, e podia apostar que todos os rapazes ali presentes haviam tido a mesma reação.

— Fazendo? — revidou, refreando-se para não esbofeteá-lo por ter destruído suas esperanças. Naturalmente a aparência dela nada tinha a ver com o desinteresse de Armando, pois ficara prova­do que ele a achara atraente, até descobrir de quem se tratava. — Bem, no momento, estou plantada aqui feito boba, deixan­do que você nos faça passar por um vexame na frente dos convidados.

Armando olhou à sua volta e percebeu, angustiado, que Beatriz estava certa: todas as atenções voltavam-se para eles. En­tão, sem uma palavra, abraçou-a pela cintura e a conduziu para o escritório.

Lá dentro, bateu a porta com força e a fez encará-lo.

— Muito bem. Agora, exijo uma resposta.

— Esqueci-me de qual foi a pergunta.

— Não se faça de desentendida, Beatriz. Quero saber o que você pensa que está fazendo, vestida assim como uma...

Ele mesmo ficou pasmo com o que esteve prestes a dizer, po­rém não foi preciso que completasse a frase para que ela perce­besse o que lhe ia pela mente.

— Como é que você ousa falar assim comigo? Fique saben­do que minha mãe ajudou-me a escolher este modelo na loja mais sofisticada de Cartagena!

— Ah, então, está explicado — ele respondeu, com sarcasmo.

Beatriz nunca o odiara como naquele instante; pouco a pouco Armando destruía todos os sonhos dela.

— O que é que você entende de moda? — perguntou, áspe­ra, depois continuou: — Mas, pelo menos, sua opinião deixa bem claro o gosto pelas mulheres vulgares, pois, mesmo sem saber quem eu era, você se aproximou de mim.

— E você? Também não sabe nada sobre as minhas prefe­rências.

— Ah, não?

— E isso não vem ao caso. Quero que dê um jeito nesse ves­tido antes que saia lá fora e fique se exibindo para os meus con­vidados.

— Eu, me exibindo? Acho que você ficou maluco. Meu ves­tido não é mais provocante que o de outras moças lá na festa. Como aquele loura com quem você estava conversando, por exemplo. O vestido dela é aberto até a cintura.

— É diferente — ele alegou, arrependido por ter se descon­trolado.

— Diferente coisíssima nenhuma!

— Ouça, Betty, estou falando sério. Sinto muito se a ofen­di! Sabe tanto quanto eu que falei sem pensar. Mas admita que esse vestido é muito... provocante. Se você não tiver uma echarpe ou coisa parecida para enrolar no pescoço, posso levá-la até sua casa para que ponha outra roupa mais decente.


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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Um simples toque


Armando se divertia muito. O pessoal da região não tinha muitas datas importantes para celebrar, portanto, qualquer convite para uma reunião era prontamente aceito.

Armando tomou um gole de coquetel que tinha numa das mãos e continuou a flertar com a loira macérrima que conhecera mi­nutos antes. A loira parecia bastante interessada nele e já acalentava esperanças de se conhecerem melhor. No entanto, o flerte já não despertava nele o mesmo entusiasmo de até então: ago­ra era Betty quem não lhe saía dos pensamentos. E, por falar nisso, onde estava ela?

Fingindo dar ouvidos à loira, correu o olhar pelo ambiente. Júlia estava cercada por uma roda de senhores mais velhos, inclusive Roberto encantando a todos com sua conversa animada.

Os olhos de Armando pousaram numa rodinha de jovens, a maioria dos quais eram seus conhecidos. Mas quem era aquela garota linda, de costas para ele? Talvez fosse namorada de um dos rapazes. Aquele vestido, pelo menos por trás, deixava pouco à imaginação, exibindo-lhe as costas muito alvas. Sentindo o san­gue aquecer, rumou em direção a ela.

Beatriz sentiu alguém aproximar-se por trás e segurar-lhe o cotovelo e não precisou olhar para saber de quem se tratava. Ninguém a excitava tanto a um simples toque.

— Senhorita — disse ele, fazendo-a delirar. — Como anfi­trião, peço-lhe que me conceda esta dança.

Rapidamente, Beatriz voltou-se para ele:

— O prazer será todo meu, Armando. E meus parabéns!

Numa fração de segundo a expressão de Armando foi de deslum­bramento.

— Betty?!

Dando um passo para trás, observou-a atentamente, detendo-se em cada curva, reparando-lhe no penteado, na maquiagem cuidadosa, no vestido elegantíssimo.

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Reparando na súbita mudança de atitude por parte de Armando, Beatriz percebeu que ele não a reconhecera antes de se apro­ximar. E, agora que a vira, demonstrava-se visivelmente contrariado.

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domingo, 27 de abril de 2014

Mudar de vez a imagem


Ao chegarem à mansão dos Mendoza, Roberto foi recebê-los à porta.

— Ora! — disse ele, visivelmente feliz em vê-las. — Agora que as duas moças mais bonitas da região já chegaram, a festa vai começar. — Então, beijou Beatriz com carinho e voltou-se para Júlia: — Juro que vocês estão ficando cada dia mais bo­nitas. Quando é que vai aceitar meu pedido de casamento e aca­bar com esse sofrimento? — E riu a valer.

Júlia, encantada, sorriu.

— Roberto meu amor, é só você reforçar o pedido.

Roberto deu outra gargalhada.

— Você nunca me leva a sério, não é? Bem, senhoritas, por que não sobem e deixam as bolsas num quarto? — sugeriu.

— Claro, Roberto — disse Júlia, sorridente. — Mas, antes, deixe-me apresentar nosso acompanhante. Este é Nicolás Mora, filho de uma grande amiga. Nicolás, este é Don Roberto Mendoza, pai de Armando.

Enquanto os dois se cumprimentavam, mãe e filha foram guardar os casacos e as bolsas e, então, aproveitaram para re­tocar a maquiagem no espelho da penteadeira.

— E então? Está pronta, filhinha?

— Não, não. Preciso ir ao banheiro antes de descer. Pode ir na frente.

Júlia não gostou da ideia, mas concordou:

— Está certo, meu bem, mas não demore muito. Se não des­cer dentro de dez minutos, eu virei buscá-la. Você está linda e não há motivo para ficar se escondendo aqui.

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A intenção de Beatriz não era de esconder-se, mas apenas ganhar alguns minutos para reunir forças antes de enfrentar os convidados. Embora se sentisse bem com o vestido, ainda se sentia intimidada em mirar-se no espelho do pescoço para bai­xo. Aquela noite, no entanto, estava decidida a mudar de vez a imagem de garotinha tímida.

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sábado, 26 de abril de 2014

Feliz por Júlia tê-la convencido


O jantar não foi dos melhores. Não pararam um só minuto de se agredir, enquanto Beatriz teve de fazer todo o possível para atenuar a rivalidade entre os dois. Júlia, por sua vez, assistiu ao espetáculo com absoluta imparcialidade.

Quando, por fim, todos se levantaram, Armando segurou o bra­ço de Beatriz numa atitude possessiva e, no saguão, todos se despediram de Nicolás com amabilidade. Todos, exceto Armando.

— Boa noite, Dora, Acho que logo nos veremos de novo.

Já no elevador, Beatriz, farta, repreendeu-o:

— Parabéns, Armando! Seu comportamento foi notável!

— Obrigado, meu bem.

— Armando, não se faça de bobo! Quase morri de vergonha! E fique sabendo que o nome dele não é Dora ; é Mora!

— Ah, é?! Tive a impressão de que foi apresentado como Dinorah Dora. Tem certeza de que...

Mas Armando não teve tempo de completar a frase, pois a porta do elevador se abriu e Beatriz saiu, indignada, sem sequer esperar por Júlia.

No corredor, antes de entrar no quarto, olhou para trás e viu a mãe sorrindo, satisfeitíssima.

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No sábado à noite, só de pensar na festa de aniversário de Armando, Beatriz sentia o coração disparar. Desde a viagem de volta, ambos não haviam se visto mais, o que não a surpreendera, pois sabia que ele iria trabalhar dobrado na fazenda para compensar os dias que passara fora.

Agora que a hora se aproximava, ficava feliz por Júlia tê-la convencido a comprar o vestido verde. O tom esmeralda sem dúvida ajudava, realçando-lhe a cor dos cabelos, dos olhos e o tom da pele.

Aconselhada pela dona da loja, prendera os cabelos num co­que, deixando alguns cachos soltos na nuca e na testa. Para com­pletar o traje, escolhera brincos dourados de argola e uma pulseira larga de ouro.

Nicolás não perdera tempo: surgira na fazenda um dia de­pois de elas haverem chegado, levando a sério o convite feito por Júlia. Esta, aliás, convidou-o a acompanhá-las à festa de Armando, e Beatriz, ao vê-lo, teve de admitir que o rapaz de fato se esmerara. Ele estava realmente muito elegante, com um smo­king azul-marinho e camisa azul-clara. Qualquer garota fica­ria feliz em tê-lo como acompanhante — exceto Beatriz. Sua esperança era de que ele não tentasse avançar o sinal.

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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Não somos irmãos de verdade.


Beatriz não sabia o que dizer. Era difícil não ser gentil com um rapaz tão atraente. Porém, agora, recordava-se de como Nicolás fora detestável quando criança e temia que ele ainda conservasse seus defeitos, apesar da bela aparência e das palavras gentis.

Saindo daquele transe, encontrou a mãe e o rapaz olhando-a fixamente à espera de uma resposta e, meio sem jeito, acabou con­cordando. Porém, a ideia de tê-lo como hóspede não a agradava.

Armando entrou no restaurante e correu os olhos à volta, tentan­do localizar Beatriz e a mãe. Apesar de não terem combina­do o encontro, torcia para que tivessem ficado no hotel aquela noite para que pudessem jantar juntos. Foi só na terceira olhada que ele as reconheceu: Júlia estava sentada de lado para a entrada e Beatriz... Ela cortara os cabelos! Depois de tantos anos! O resultado, porém, não po­dia ter sido melhor: nunca a vira mais feminina e atraente.

Mas quem seria aquele rapaz que as acompanhava, cuja con­versa parecia entretê-las? Parado ali na entrada, observou-os de longe por alguns segundos e, quando viu o estranho afastar os cabelos de Beatriz com a ponta dos dedos, achou que já era hora de se aproximar.

Ensaiou um sorriso e, certo de que seria bem recebido, foi logo chegando e puxando uma cadeira:

— Desculpe a demora, mas é que tive uns negócios para resolver. — Ignorando o estranho, esticou o braço e recolocou os cabelos de Beatriz no mesmo lugar onde estavam antes que Nicolás os tivesse afastado: — Você cortou os cabelos? Fi­cou bom. O que fizeram com os cortados? Eu bem que poderia levar para Inezita para ela me fazer um tapete.

Júlia sorriu, enquanto Beatriz, imóvel, procurava recu­perar a fala.

— Sempre brincalhão, Armando.

Nicolás pigarreou, e Júlia desculpou-se por ter se esquecido das apresentações.

— Armando, este é Nicolás Mora, filho de uma amiga minha; Nicolás, este é Don Armando Mendoza, aparentado de meu último marido.

Armando apenas inclinou a cabeça e voltou-se para Júlia:

— Tenho certeza de que sou muito mais para você do que um simples parente afastado! — comentou, bem-humorado, apertando a mão de Beatriz. — Eu e Beatriz fomos praticamente criados juntos, não é, Betty?

— Claro — ela concordou. — Nem sei quantas vezes já o ouvi dizer que somos como irmãos.

Nicolás sorriu, com ares de triunfo:

— Ainda bem. Por um minuto cheguei a pensar que estaria atrapalhando alguma coisa.

Armando, furioso, lançou-lhe um olhar letal, enquanto apertava a mão de Beatriz com mais força.

— Como assim?

Inconsciente do ciúme que provocava, Nicolás sorriu de mo­do descontraído.

— É que Júlia me convidou para passar uns dias na fazenda e achei que seria bom conhecer Beatriz um pouco melhor.

— Se eu fosse você, reconsideraria essa decisão — disse Armando, criando uma atmosfera pesada.

Desesperada, Beatriz sorriu.

— Ele está sempre tentando me proteger, Nicolás, mas acho que todo irmão mais velho age assim, não é?

Armando percebeu a indireta e, sorridente, beijou-lhe a mão, olhando-a bem fixamente nos olhos.

— Só que não somos irmãos de verdade.

A resposta deixou-a encantada e fez disparar-lhe o coração. No entanto, logo o deslumbramento cedeu lugar à raiva. Que coragem! Armando não a queria como namorada, no entanto não permitia que nenhum outro rapaz se aproximasse dela com segundas intenções.

Então, encolhendo a mão, voltou-se para Nicolás, toda sorrisos:

— Ele é muito brincalhão. Não se preocupe, Nicolás, tere­mos muita satisfação em hospedá-lo.

Jamais mentira com tanto cinismo, pois pouco lhe importa­va que nunca mais voltasse a vê-lo. Porém, ao reparar na fisio­nomia de Armando, convenceu-se de que o sacrifício valera a pena.


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quinta-feira, 24 de abril de 2014

Aumentar seu círculo de amizades


Quando ambas saboreavam o coquetel de camarões servido como entrada, um rapaz louro, de estatura mediana, aproximou-se da mesa. Beatriz ergueu o rosto e o fitou com interesse. O rapaz era de fato muito bonito e tinha uma fisionomia vaga­mente familiar; porém, se o tivesse visto antes, na certa o reco­nheceria. Seu coração podia pertencer a Armando, mas isso não a tornava indiferente à beleza dos outros moços.

Porém, o rapaz em questão parecia mais interessado na mãe dela, e só ao ouvi-lo se apresentar foi que Beatriz percebeu que já o conhecia.

— Tia Júlia, que prazer em vê-la! Eu a teria reconhecido em qualquer lugar, pois continua bonita como sempre foi.

— Nicolás! Como vai, querido? Sente-se. Pena que sua mãe não tenha podido vir também, mas foi muito gentil de sua par­te ter aceitado o convite.

Júlia voltou-se para Beatriz com um sorriso amplo:

— Você se lembra de Nicolás Mora, não é, querida? Ele é filho de Tilly, minha melhor amiga. Nicolás Mora

Beatriz sabia perfeitamente quem eram os dois:

— Oi, Nicolás! — cumprimentou-o, enquanto o rapaz se sen­tava a seu lado. — Há quanto tempo...

— Tempo demais — ele comentou, admirando-a com olhos muito brilhantes. — Você está linda.

Beatriz percebeu que enrubescera, mas manteve-se firme. Já era mais do que tempo de aumentar seu círculo de amizades masculinas.

— Obrigada, Nicolás, é muita gentileza.

— Não se trata de gentileza, eu lhe garanto. — Então, repa­rando em suas mãos, quis saber: — Você já se casou?

Ela balançou a cabeça numa negativa e olhou para Júlia, que ria a valer.

— Gosto de rapazes diretos e objetivos — disse, dando uns tapinhas nas costas de Nicolás. — Sabia que este jantar ia ser um sucesso.

— Mamãe, por que você não me contou que teríamos com­panhia?

— Não contei? Ah, devo ter esquecido! Pena que Tilly ti­vesse outro compromisso, mas, por sorte, Nicolás pôde vir.

— Não perderia o convite por nada deste mundo — Nicolás admitiu prontamente.

— Ele trabalha com incorporação e venda de imóveis. Não é interessante, filha?

Beatriz limitou-se a assentir, sem uma palavra.

— Aliás, estou à procura de uma boa propriedade na região onde vocês moram. O grupo para o qual trabalhamos quer de­senvolver uma estação de esqui supersofisticada, algo realmen­te fora do comum e, para tanto, precisamos de uma propriedade num condomínio fechado, com boas instalações. Júlia, você não estaria interessada em vender a sua?

— Não! — Beatriz apressou-se em esclarecer. — Nós não estamos interessados, não é, mamãe?

Mas, para seu espanto, Júlia não descartou a ideia de pron­to e meditou em pouco sobre a questão.

— Mamãe, nós não queremos vender, não é?

— Para ser franca, não sei... Mas confesso que gostaria de pensar melhor no assunto.

Então, voltou-se para o convidado:

— Tenho uma ideia: por que não vem nos visitar, Nicolás? Você poderá dar uma olhada na propriedade e me dar sua opi­nião. Ao mesmo tempo, teremos muito prazer em tê-lo como hóspede, não é, Beatriz?

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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Mais sofisticada que nunca.


Durante o almoço, Beatriz quase não conversou, mergu­lhada nas lembranças dos momentos que passaram na loja. Por fim, resolvera comprar três maiôs do mesmo modelo em cores diferentes. Nunca usara algo que a deixasse tão confiante e que causasse aquele tipo de reação em Armando.

À tarde, Beatriz passou por uma experiência no mínimo traumática: havia mais de dez anos que não cortava os cabelos e, ao ver-se sentada na cadeira do cabeleireiro mais famoso de Cartagena, teve de fechar os olhos para não vê-lo pegar a tesoura. Era como se estivesse traindo um velho amigo.

No entanto, consolou-se, dizendo a si mesma que a mudança seria para melhor. Pena que tudo aquilo já começasse a cansá-la.

À noite, exausta, ocupou uma das mesas do famoso restau­rante do hotel onde estavam hospedadas. A viagem valera a pe­na: adquirira todo um guarda-roupa novo, incluindo o vestido verde da festa. O próprio vestido que estava usando naquela noite fora adquirido na véspera. Era um modelo preto, justo, que a fazia sentir-se mais sofisticada que nunca.

Para seu espanto, o corte de cabelo ficara ótimo. O cabelei­reiro repicara a frente, mas conservara a parte de trás pratica­mente intacta. Se soubesse que o resultado seria tão bom, teria tentado a mudança muito antes. Essa noite optara por usá-los soltos, presos de um lado por uma fivela prateada.

Mesmo cansada, sentia-se incrivelmente bem consigo mesma. E, a julgar pelos olhares masculinos que recebia, a transforma­ção fora mesmo para melhor. Infelizmente, nenhum flerte a in­teressava, pois seu coração já tinha dono.

Aliás, desde a hora do almoço não haviam tido mais notícias de Armando, que certamente devia estar ocupado com os negócios ou com alguma outra companhia mais agradável.

— Beatriz, valeu a pena: você está linda, minha filha — Júlia comentou, orgulhosa. — Vai ser o centro das atenções na festa de Armando com aquele vestido verde.

— Ainda não sei se terei coragem para usá-lo em público.

— Claro que vai, foi para isso que o compramos.

Em seu íntimo, Beatriz sabia que iria à festa com o vesti­do. Mas não para ser o centro de atenções, e sim para ver a reação de Armando.

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terça-feira, 22 de abril de 2014

Como pôde deixar passar des­percebida


Ao meio-dia e quarenta e cinco minutos, Beatriz estava ex­perimentando maiôs numa loja de esportes, onde Armando combi­nara de vir encontrá-las. Ao se aproximar a hora do encontro, seu coração batia mais forte, fazendo-a sentir-se ridícula. Conhecia-o e amava-o havia anos, mas depois de haverem tro­cado aquele primeiro beijo algo mudara definitivamente entre eles.

Consultou o relógio, concluiu, aliviada, que algo devia tê-lo impedido de vir buscá-las e saiu do provador para mostrar a Júlia o maio que vestira.

— O que você acha, mamãe? Na minha opinião, ficou per­feito: é muito mais elegante do que um biquíni.

Um assobio estridente ecoou pela luxuosa loja e, ao virar a cabeça, Beatriz viu Armando se aproximar.

— Vou levar uma dúzia desses. Um de cada cor! — ele co­mentou, aprovando a escolha.

Coradíssima, Beatriz caiu na gargalhada.

— Não vão ficar nada bem em você.

— Mas esse, em você, está lindo!

Ele já a vira dezenas de vezes usando maio, mas nunca num modelo como aquele. Armando nunca se dera conta de como eram bonitas as pernas de Beatriz; ainda mais com aquele maio bem cavado. E os seios fartos... Como pôde deixar passar des­percebida tamanha transformação?

Beatriz teve vontade de sair correndo dali diante do mo­do como ele a olhava. Então, resolveu apelar para o espírito esportivo para quebrar aquele mal-estar:

— Armando, você prometeu que não iria me espiar.

Erguendo os olhos, ele a viu corar e riu. Do pescoço para cima, Beatriz continuava a mesma, com sua linda trança e os enormes óculos prediletos.

— Bem, se você pretende usar esse maio em público, certa­mente pode usá-lo em minha frente, que sou seu amigo desde a infância. Lembre-se que já mergulhamos nus muitas vezes.

Beatriz olhou para Júlia, que parecia estar se divertindo a valer com a situação.

— Mas você ainda não era adulto naquela época. E, agora, com licença, que eu vou me trocar.

— Se é por minha causa, não se preocupe — ele a provo­cou, com um riso significativo.

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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Podia jurar que ele nem iria reparar


Beatriz ficou estarrecida e mal pôde crer no que ouvira. Depois de tanto sacrifício para disfarçar o tamanho dos seios... Após o desfile, Júlia lhe indagou:

— E então? Quais você quer experimentar?

— Bem... — ensaiou, quase em pânico. — Para ser sincera, nenhum me agradou. Por que não vamos a outra loja?

Beatriz acabou perdendo a conta de quantos modelos pro­vou; a seu ver, cada um mais ridículo que o outro. Todos, no entanto, tinham algo em comum: a economia de tecido, principalmente da cintura para cima. O preço, porém, era exorbitante.

Desanimada, admirou-se no espelho do provador. O vestido que experimentava era de um verde intenso, cor de esmeralda, feito de chamalote. O corpo era composto por duas tiras largas que cobriam o busto e se juntavam na cintura, sob uma fivela de strass, e a saia era redonda. O decote das costas era tão pro­fundo quanto o da frente.

Não havia como negar a beleza do modelo e da cor, que real­çava sobremaneira seus óculos prediletos e os cabelos fixados com gel. Na modelo que o apresentou durante o desfile, macérrima, o vestido ficava espetacular, mas nela... Beatriz tinha vergonha de olhar-se ao espelho: tinha formas mais generosas que as das ma­nequins e, além disso, não estava acostumada a andar sem sutiã.

Deu alguns passos dentro do minúsculo provador e percebeu que a cada movimento os seios se evidenciavam. Se ao menos pudesse usar um sutiã... Mas não havia jeito. Conformada, sus­pirou e abriu a cortina do provador para se submeter à apre­ciação de Júlia. Um segundo antes de sair, porém, mirou-se mais uma vez e imaginou o que Armando diria se a visse com o ves­tido... Será que continuaria a julgá-la uma criança? Conhecendo-o bem, podia jurar que ele nem iria reparar em suas formas.

— É esse! — Júlia exclamou ao vê-la entrar na sala. — Fi­cou perfeito em você, querida. A cor é linda, e o decote insinua sem exibir.

— Imagine só se eu tiver de me curvar para apanhar algo! Olhe, mamãe, sinceramente, não me sinto à vontade com um vestido desses em público. Vou ficar superconstrangida.

— Beatriz! — repreendeu-a a mãe. — Às vezes você me irrita com sua infantilidade.

— Eu não sou mais criança; só estou sendo franca.

— Vire-se.

Percebendo que seria inútil discutir, Beatriz deu dois gi­ros completos e perguntou:

— O que você achou daquele outro, o verde-claro; um dos primeiros que vimos? Ou então o branco, de mangas bufantes?

Na verdade, não gostara muito de nenhum dos dois, mas qual­quer coisa seria melhor do que aquele que provava.

— Não seja tola! A ideia é fazê-la transformar-se numa mu­lher cheia de autoconfiança, sensual e sedutora. Não numa virgenzinha!

— Mas eu sou uma virgenzinha! — Beatriz alegou, já de­sesperada.

— É mesmo? — Júlia indagou, sem muito interesse — Não fique triste, dá-se um jeito nisso.

Beatriz pendeu a cabeça para trás e caiu na gargalhada. Júlia era demais!

— Mamãe, você é bárbara, e eu te amo muito!

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domingo, 20 de abril de 2014

Seria uma pena escondê-lo


— Não seja exagerada, Betica, é claro que nos veremos antes da quarta pela manhã. — Então, segurou-a pelos ombros e sacudiu-a de leve: — Hoje, vou realmente estar ocupado com uns negócios, mas amanhã arrumo um tempinho para vocês.

— Quanta generosidade — ela murmurou, revoltada, vendo-o deixar o hotel.

De fato, mãe e filha não o viram mais aquele dia, e Beatriz não saberia dizer se a ideia de encontrá-lo para o café na manhã seguinte a agradava ou não. O consolo era saber que seria apenas para o café e depois ele as deixaria em paz pelo resto do dia.

— E então? Como foram as compras ontem? — Armando indagou-lhes, na manhã seguinte, durante o café. — Consegui­ram limpar as lojas, ou ainda resta alguma coisa para se com­prar nesta cidade?

Beatriz o olhou com a testa franzida e deixou a conversa por conta de Júlia. Depois de ter passado a noite quase toda em claro, imaginando onde ele estaria, não acordara muito bem-humorada.

— Que exagero! — exclamou Júlia, divertindo-se. — Na verdade, só fomos a uma loja ontem. O resto ficou para hoje.

— Ah, bom! Por acaso fazem ideia de onde estarão por vol­ta de meio-dia? Se me for possível, gostaria de apanhá-las para irmos almoçar juntos.

Beatriz intrometeu-se na conversa:

— Não acho que seja uma boa ideia. Não temos noção de onde estaremos, e você vai perder muito tempo nos procurando.

No entanto, nem bem acabara de falar, e Júlia a contradis­se, dando a Armando uma ideia bem detalhada de onde encontrá-las. Desolada, Beatriz suspirou e voltou-se para Armando:

— Já que insiste, por que não deixa que nós duas vamos ao seu encontro? Você iria se aborrecer conosco nas lojas.

Para seu desespero, aquela viagem não estava saindo con­forme planejara. A ideia era transformá-la de garota simples de calça jeans em uma mulher sofisticada e bem-vestida, mas isso era impossível tendo-o em seu encalço o dia todo.

Armando, no entanto, achou graça.

— Não se preocupe, Betica, eu dificilmente me aborreço e pro­meto não espiá-la no provador.

Beatriz teve vontade de dar-lhe uma resposta atravessada, mas ter boas maneiras também fazia parte do plano. Desde que sua mãe inventara aquela viagem, sabia que teria de come­çar a agir como uma perfeita dama e, assim, quem sabe o fizes­se vê-la com outros olhos? Portanto, engoliu a resposta e continuou a tomar café.

Uma hora mais tarde, Beatriz e Júlia estavam confortavelmente instaladas numa das lojas mais elegantes de Cartagena. A sala onde se encontravam tinha as paredes verde-claras e o carpete um tom mais escuro. A mobília, em estilo francês, era estofada em verde e cinza. Mas a atração principal da loja era o desfile de moda que organizaram para que os clientes pudes­sem escolher melhor os modelos exibidos pelas manequins.

Beatriz, a uma certa altura, curvou-se para frente e murmurou:

— Mamãe, você não espera que eu encontre alguma coisa aqui, não é? Cada vestido desses deve custar uma fortuna!

— Pois já é hora de você ter uns vestidos mais elegantes, que­rida — Júlia respondeu, impaciente, prestando atenção na ma­nequim à sua frente.

— Mas, mamãe, eu não quero...

— Que bobagem, filhinha — Júlia insistiu, recusando-se a ouvir-lhe os protestos. Então, voltou-se para a vendedora: — A senhora não tem algo um pouco mais decotado? Minha filha tem um colo muito bonito e seria uma pena escondê-lo.


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sábado, 19 de abril de 2014

Um vestido novo para a minha festa


O sorriso que ele lhe dirigiu era tão cativante e o olhar tão sedutor que Beatriz quase lhe fez a vontade. Porém, recon­siderando, manteve-se irredutível:

— Não estou com muita vontade de conversar, mas, se qui­ser, posso pegar o volante.

Armando meditou um pouco sobre a proposta e, por fim, acabou concordando:

— Está bem, você me convenceu. Na próxima parada, você pega a direção.

— Ótimo — ela respondeu, voltando-se para a janela lateral.

— Afinal, o que é que você e sua mãe vão fazer em Cartagena? Roberto me contou que temos quartos reservados no mesmo ho­tel, mas não me disse por que vocês vieram.

Beatriz deu de ombros.

— Mamãe quer fazer umas compras. Nada que lhe interes­se, creio.

— Isso é o que você pensa, eu me interesso por tudo. — E ergueu uma sobrancelha, num gesto de descrença. — Não me diga que você não vai comprar nada.

— Por acaso você está sugerindo que eu compre? Que não gosta do modo como me visto?

— Está brincando? Sempre a achei bonita. Só pensei que tal­vez fosse comprar um vestido novo para a minha festa. Aliás, promete dançar uma música comigo?

— Depende de meu humor na ocasião.

— Está bem.

A conversa girou, então em torno de tópicos puramente fa­miliares, e o tempo passou depressa. Após a parada, Beatriz assumiu a direção. Ao se registrarem no hotel, Armando ajudou-as com os papéis e, em seguida, pediu licença:

— Sinto muito, mocinhas, mas o dever me chama. Tenho um compromisso na hora do almoço e acho que só vou voltar à noite. Pelo jeito, só nos veremos amanhã de manhã; se quise­rem podemos nos encontrar aqui embaixo, por volta das nove, para tomarmos o café juntos.

Mesmo tentando convencer-se de que não o queria por per­to, Beatriz ficou desapontada ao vê-lo dispensá-las, excluindo-as de seus programas para o resto do dia.

— Não se preocupe conosco — disse Beatriz com um sor­riso forçado. — E acho melhor não marcarmos encontro para o café; pode ser que haja algum imprevisto. Por que não combinamos de nos encontrarmos aqui na recepção quarta-feira pela manhã, para irmos embora? Assim ninguém se sente preso.

A aspereza dela o desagradou.

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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Um pequeno incidente!


Júlia não respondeu e, quando Beatriz olhou para trás, viu-a fechar os olhos, fingindo dormir. Percebendo que seria inútil insistir no assunto, voltou-se para a frente e calou-se. Mas algo lhe dizia que o mal-estar de Roberto havia sido planejado.

No entanto, não havia nada que pudesse fazer para escapar àquele arranjo e teria de suportar a companhia de Armando duran­te a viagem até Cartagena. Com um pouco de sorte, talvez conse­guisse evitá-lo durante sua estada na cidade. Diabos, por que sua mãe tinha de estragar tudo? O plano era que ele só a visse depois da transformação!

Distraída, pulou de susto quando Armando esticou o braço e apertou-lhe uma das mãos.

— Não se preocupe, Betica. Roberto realmente não estava se sen­tindo bem, hoje.

— E você tem mesmo algum negócio para tratar em Cartagena?

— Juro que sim. Estarei ocupado a tarde toda e amanhã tam­bém. Planejo voltar para casa quarta-feira, bem cedo.

Aliviada, ela respirou fundo. Com tantos afazeres, ele não teria tempo para segui-la.

— Beatriz, sei que está se esforçando para tentar se es­quecer do que aconteceu ontem entre nós. E acho que não po­demos deixar que um pequeno incidente destrua nosso relacionamento. Nossa amizade é muito importante; pelo me­nos para mim.

Um pequeno incidente! Então era assim que ele classificava o beijo que haviam trocado! Revoltada, Beatriz resmungou uma coisa qualquer e resolveu usar a mesma tática de Júlia: fechar os olhos e procurar dormir.

Duas horas mais tarde, ao acordar, Beatriz se espreguiçou, provocando o riso de Armando.

— Qual é a graça? — perguntou, estirando os músculos do­loridos. — Nunca viu ninguém acordar?

— Claro que sim, mas nunca assim com tanta graça. Você até parece uma gata.

— Não gostei da comparação; detesto gatos.

Ele riu, e o riso iluminou-lhe o olhar.

— Eu sei, mas eu gosto. — Satisfeito, viu-a enrubescer e tocou-lhe o nariz com a ponta do dedo: — Você ronca, sabia?

O comentário, pouco lisonjeiro, destruiu o valor do elogio que ele lhe fizera segundos antes.

— É mentira!

— Claro que é verdade. Por acaso você fica acordada para saber? Já eu sou uma testemunha imparcial, sem interesse ne­nhum e posso lhe garantir que você realmente ronca.

Testemunha imparcial e desinteressada... Era tudo o que ela precisava ouvir. Que lhe importava saber se ronca ou não, já que aquilo não lhe interessava?

— Sinto muito se o incomodei — desculpou-se, friamente.

— Não foi isso o que eu quis dizer; na verdade, até me di­verti, isso ajudou a me distrair.

Beatriz sentiu as faces queimarem e não se voltou para fitá-lo.

— Neste caso, fico feliz por ter ajudado.

Ele tornou a esticar o braço e, desta vez, tocou-lhe o rosto cm brasa.

— Você sempre me ajuda, com exceção do dia em que não quis vacinar o gado.

— Mesmo assim, você completou a tarefa sem mim.

— Sim, mas levei o dobro do tempo. Tally veio me ajudar, mas ele é muito lento.

— E por que você não faz tudo sozinho?

— Porque sou ainda mais lento do que ele. Além disso, essa é a sua especialidade. Mas não é só isso: sua companhia é mui­to mais agradável.

— Obrigada, mas, se não se importa, acho que vou dormir mais um pouco.

— Não, não, por favor. Eu já estava começando a me can­sar de ouvi-la roncar. Fique conversando comigo.


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quinta-feira, 17 de abril de 2014

Sensação mágica


No dia seguinte, logo cedo, Beatriz aprontou-se e ficou à espera da mãe para a viagem que fariam a Cartagena. A princípio, a ideia de passar por uma verdadeira transformação não a agra­dava, mas naquele momento a situação parecia ter mudado. O beijo que ela e Armando haviam trocado na véspera a deixara encan­tada e sabia que só teria chance de repetir a experiência se o con­vencesse a olhá-la como uma mulher adulta. Apesar de não ter certeza quanto ao resultado, achava que a tentativa valia a pena.

Consultou o relógio e constatou que eram quase oito horas e não havia nem sinal de sua mãe. Fora uma surpresa saber que Júlia marcara a partida para tão cedo, mas depois soube que fora Don Roberto quem determinara o horário. Ele tinha diversos negócios a tratar em Cartagena e se oferecera para acompanhá-las, ao que sua mãe logo concordou.

Beatriz preferia que fossem sozinhas, mas ninguém a con­sultara. Sua oferta de dirigir o carro para que pudessem sair uma hora mais tarde não fora bem recebida por Júlia, que insistia em que fossem com Roberto

Ao olhar mais uma vez para o relógio, ouviu um carro se apro­ximando. Se Júlia não se apressasse, ia acabar perdendo a ca­rona e, aí sim, teriam de ir sozinhas.

A batida à porta coincidiu com o surgimento de Júlia no alto da escada.

— Deve ser Roberto— ela disse, distraída, descendo os degraus.

— Bem na hora marcada. Não, querida — falou para a filha. — Deixe que eu abro.

Júlia abriu a porta e exclamou:

— Ora, Armando! Que surpresa!

Ouvindo-a, Beatriz levantou-se do sofá num pulo.

— O que você veio fazer aqui? — perguntou, um tanto grosseira.

Depois do incidente da tarde anterior, só pretendia tornar a vê-lo no dia da festa, quando surgiria absolutamente trans­formada.

— Bom dia, Beatriz — ele cumprimentou, sorrindo diante daquela postura defensiva.

Com toda certeza, ela devia estar pensando no beijo que ha­viam trocado, assim como ele, mas Armando estava disposto a con­servar aquele relacionamento num plano apenas amistoso. No entanto, ao lembrar-se da sensação mágica que o beijo lhe des­pertara, sabia que teria uma dificílima tarefa pela frente.

— Prazer em vê-la.

Temendo que a filha tornasse a tratar Armando de modo grossei­ro, Júlia interrompeu, explicando:

— Armando veio para nos levar a Cartagena, Beatriz. Não é ótimo?

— Maravilhoso — ela retrucou. — Pensei que fosse Roberto quem iria nos levar; aliás, não sei por que não podemos ir so­zinhas.

Júlia sorriu sem jeito para Armando.

— Ela é uma graça, não acha? — E, sem esperar pela res­posta, voltou-se para a filha: — Roberto não está se sentindo mui­to bem, hoje, portanto mandou que Armando o substituísse. Já que vamos todos a Cartagena, por que levar mais um carro?

Sem dar-lhes tempo de prosseguir no assunto, Júlia apres­sou a partida e foram todos para o carro. Ocupando o banco de trás, Júlia deixou que Beatriz fosse na frente, ao lado de Armando.

— Mamãe — Beatriz indagou enquanto se instalavam —, como foi que você soube que Roberto não estava muito bem?

A pergunta pegou-a de surpresa e a deixou sem ação, mas um segundo depois Júlia se recuperou:

— Ora, ele telefonou, claro.

— Estranho. Estou acordada desde as seis horas e não ouvi o telefone tocar.

— Ah, é? — Sem saber o que dizer, Júlia apelou para a pri­meira ideia que lhe ocorreu: — Eu falei que ele me ligou? Ima­gine, que confusão. Foi eu que telefonei, mas acabei esquecendo. Agora, se me permitem, vou tirar um cochilo; detesto levantar cedo.

— Mas, mesmo assim, teve disposição para dar o telefone­ma antes de sairmos... Estranho!


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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Jamais imaginara que fosse tão bom


Armando não disfarçava sua fúria:

— Você está se portando como uma criança, Betty. Ou co­mo uma das personagens daqueles livros que sua mãe escreve.

— Não há nada de errado com os livros de minha mãe. E por que você esperava que eu agisse de modo diferente, se me julga uma criança?

Frustrado, ele suspirou:

— Sei que você não é mais uma criança, Betty, mas ainda é muito jovem e inexperiente. Quando for mais velha, vai en­tender o que quero dizer.

Beatriz ajoelhou-se na relva e o fitou, furiosa.

— Agora você já está me insultando! Sei perfeitamente que há outros tipos de relacionamento entre um homem e uma mu­lher, além do casamento, e quanto à minha inexperiência, não se esqueça de que passei quatro anos estudando fora. Conheci muitos rapazes na universidade.

Armando ficou pasmo com a revelação. Seria possível que... Não... A sua Betty?

— Bem, sim... Desculpe-me Betty, eu deveria...

— Pois deveria mesmo e saiba que meu nome não é Betty!

Em seguida, segurou-lhe o rosto com ambas as mãos e o beijou.

A princípio foi um beijo carregado de ódio, para provar-lhe que já não era mais criança. Mas, ao sentir os lábios dele desli­zando sobre os seus, correspondendo ao beijo, o ódio cedeu lugar ao prazer. Beatriz sentiu-se descontrair e apoiou-se contra o peito de Armando. Finalmente descobria qual a sensação de beijá-lo...

Aos poucos, Armando sentiu o sangue aquecer-lhe as veias e ficou surpreso com a própria reação. Aquele não era o beijo de uma criança, mas de uma mulher sensual e sedutora. Jamais imaginara que fosse tão bom beijá-la...

Finalmente, a falta de fôlego os fez afastarem-se e, sentados, ambos se entreolharam, confusos. Beatriz não conseguia falar e, por sorte, foi Armando quem quebrou o silêncio.

— Bem — disse ele, pigarreando. — Bem, acho que você realmente conseguiu me convencer de que já não é mais crian­ça, Beatriz.

Apesar da emoção, ela percebeu que Armando a chamara pelo no­me, não pelo apelido. Correndo os dedos pelos cabelos dele, olhou-o bem fixamente nos olhos e admitiu:

— É, acho que sim.

E, sentindo as pernas trêmulas, montou em sua égua e par­tiu. Por sorte, o animal já conhecia bem o caminho, pois, se dependesse dela, era bem capaz que acabassem se perdendo.

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terça-feira, 15 de abril de 2014

Parecia ter vontade pró­pria


O movimento suave do corpo dela de encontro ao seu o excitou e, mais uma vez, ele relembrou a si próprio de que se trata­va de Betty. No entanto, o corpo dele parecia ter vontade pró­pria e reagia involuntariamente à proximidade dela. Se não conseguisse se conter, logo, logo iria se ver numa situação em­baraçosa.

Então, soltando-a, pigarreou e indagou:

— Será que já podemos conversar sobre o que houve? Por­ que, queira ou não, teremos de discutir o assunto, cedo ou tarde.

Desiludida com o fim daquele sonho, Beatriz sentou-se e arrumou a blusa.

— Não creio que haja mais nada a dizer. Sei que nenhum de vocês quis me ofender; eu devia ter me afastado quando os ouvi conversar. Mas fiquei tão chocada quando ouvi mencio­narem meu nome... Isto é, nunca pensei que...

— Eu sei. A ideia nunca me ocorreu. Não sei como Roberto foi pensar numa loucura dessas, mas eu tinha certeza de que, pas­sado o choque inicial, você concordaria comigo. Agora é só uma questão de mostrarmos a Roberto que ele está enganado.

Beatriz sentiu seus ânimos se exaltarem. O que estava pres­tes a dizer, antes que ele a interrompesse, era que jamais pen­sara que ambos tivessem aquele tipo de conversa.

— E como sugere que façamos isso?

Armando deu de ombros:

— Não sei. Acho que o melhor é continuarmos agindo na­turalmente, deixando claro que somos apenas amigos.

Beatriz pensou bem sobre a questão e então disse, com amargura, após um longo suspiro:

— Assim, como se eu fosse apenas mais um garoto da turma.

A resposta dela o desconcertou, fazendo-o ver que a magoara.

— É... Ouça, sei que não tenho sido muito lisonjeiro com você, mas é que...

— Pois saiba que não quero ser adulada, Don Armando Mendoza — ela respondeu, furiosa. — E se pensa que fico magoada com seu comportamento, saiba que está enganado. Aliás, jamais pensaria em me casar com um sujeito como você, que usa suas na­moradas e depois as abandona.

— Ei, espere aí! — O comentário de Beatriz o atingiu co­mo uma bofetada, Armando ainda não se julgava preparado para o casamento, nem com ela, nem com ninguém, mas sempre contou com sua admiração e lealdade. — Você fala como se eu fosse um cafajeste, desses que se divertem em partir corações.

— Se a carapuça lhe serve...

— Você está sendo injusta! — ele protestou, já perdendo a paciência. — Trabalho dezesseis horas por dia naquela fazen­da e ainda cuido de outros negócios; como acha que tenho tempo para namorar? E quando saio com uma garota para me diver­tir, ela sabe exatamente o que tenho em mente! Portanto, não se trata de enganar ninguém.

— Nesse caso, vocês dois deviam se envergonhar!

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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Reação estranha, de posse


Seu desejo era conseguir relaxar e aproveitar ao máximo aque­les momentos. Porém, por outro lado, sentia-se envergonhada por deixá-lo vê-la chorar. E Armando continuava a tratá-la como criança, sem perceber que despertava nela reações de uma mu­lher adulta.

Ao senti-la retrair-se e tentar escapar, ele a abraçou com mais força, imobilizando-a.

— Agora fique quietinha e deixe-me abraçá-la. Mesmo que não esteja gostando, saiba que eu estou.

E, de fato, não era mentira. Para Armando era ótimo estarem ali juntinhos.

Suspirando, aninhou-a melhor contra si, amoldando-lhe as curvas às dele. Seu pai tinha toda razão: Betty estava se trans­formando numa mulher linda. Ou melhor, já se transformara, corrigiu-se, sentindo-lhe os contornos arredondados.

Segurando-lhe o queixo, ergueu-lhe o rosto e obrigou-a a fitá-lo: a umidade das lágrimas tornava os olhos dela ainda mais encantadores e brilhantes, e sua expressão o fez analisá-la. Betty o fitava com ares de adoração, o que, aliás, não era novidade. Ela sempre o fitara com aquela expressão, a não ser, claro, quan­do ficava brava. Mas havia um quê diferente naquele momen­to que lhe despertava uma reação estranha, de posse. Se não desse tanto valor à liberdade, não hesitaria em seguir logo os conselhos do pai.

No entanto, ao cair em si, Armando repreendeu-se, inconforma­do. Afinal, aquela era Betty, sua melhor amiga de infância, e os sentimentos que nutria por ela eram apenas uma extensão da afeição que compartilhavam desde criança.

Com muita ternura, deslizou um dedo pelo rosto dela e a beijou.

— Está se sentindo melhor?

Beatriz não conseguia responder. Para ela, era uma ver­dadeira tortura estar nos braços de Armando, sentir-lhe os lábios colados em seu rosto. Sem uma palavra, balançou a cabeça num gesto afirmativo e aninhou-se melhor.


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domingo, 13 de abril de 2014

Tínhamos medo de que você nos proibisse


No entanto, caindo em si, percebeu que não estava sendo jus­ta. Afinal, como Freddy poderia adivinhar que ela não queria ver seu velho amigo de infância?

— Conheço muita gente que gostaria de estar em seu lugar.

— Gosto não se discute — ela replicou, sem se deixar levar pelo bom humor de Armando.

Por sorte, ela havia puxado o chapéu sobre os olhos, pois Beatriz mal conseguia disfarçar seu desejo. Seria muito hu­milhante se ele percebesse o que se passava em seu íntimo, pois já o ouvira confessar que o interesse por ela era puramente fra­ternal.

Armando esticou um braço e puxou-lhe a trança com força:

— Vamos, Betty, você pode se abrir comigo. Sei que não gostou do que Roberto disse, mas não foi culpa minha. Não po­díamos imaginar que você estivesse escutando.

Mais uma vez ela ficou encabuladíssima. Armando nunca fora de rodeios e falava exatamente o que lhe vinha à mente, sem me­dir as palavras.

— Tem razão. E agora que já disse o que queria, por favor, me deixe em paz. Lombardi já descansou um pouco e prefiro ficar sozinha.

Com um gesto rápido, Armando tirou o chapéu, jogou-o sobre a grama e lançou-lhe um olhar hostil.

— É, aposto que sim. Sua casa deve ser um inferno: Júlia passa o dia trancada no escritório e os empregados trabalham até o entardecer!

A ironia de Armando a deixou furiosa. Beatriz virou-se para fitá-lo e fuzilou:

— Pare de brincar comigo, Armando Mendoza! Não sei se já percebeu, mas sou uma pessoa adulta e tenho o direito de ficar sozinha quando quero. E, caso não saiba, esta propriedade é minha e eu agradeceria muito se você caísse fora daqui!

— Ei! Calma aí! — ele exclamou, recusando-se a levá-la a sério. — Você pode estar brava, mas não precisa ser grosseira. Sei muito bem que esta propriedade é sua, afinal, por que acha que eu e Mário antigamente concordávamos em trazê-la co­nosco? Tínhamos medo de que você nos proibisse de vir pescar no melhor lago da região.

Surpresa, Beatriz sentiu os olhos encherem-se de lágrimas e desviou o rosto. Armando não respeitava nem mesmo suas boas recordações de infância. Sempre achara que os dois a convidavam para pescar por gostarem de sua companhia.

— Entendo — admitiu, lutando para que as lágrimas não lhe corressem pelas faces, fazendo-a passar por um vexame.

Mas Armando percebeu que a magoara e procurou corrigir-se:

— Ei, mocinha — disse num tom afetuoso —, eu só estava brincando. — Endireitando-se, sentou-se na grama e a fez encará-lo. Vendo-a chorar, praguejou baixinho e abraçou-a, trazendo-a consigo ao deitar-se novamente na relva. Aninhando-a contra o peito, protegeu-a como se fosse uma criancinha, dando-lhe uns tapinhas amistosos nas costas. — Betty — disse, com voz rouca —, você sabe que sempre a quis muito bem. Você e Mário são meus melhores amigos.

Mas, em seu íntimo, Beatriz não se sentia como uma crian­ça, e não era nada consolador saber que ele a tinha como simples amiga de infância. Apoiando a cabeça nos ombros fortes dele, deitou-se sobre seu peito e encheu os pulmões, inalando o aroma delicioso da colônia que Armando usava.


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sábado, 12 de abril de 2014

Beatriz temia que jamais mudasse


Mas Júlia estava distante, perdida em pensamentos.

— Acho que vou telefonar para Don Roberto...

— Não! — Beatriz suplicou, levantando-se da cadeira. — Por favor, não. Prometa que não vai comentar com ninguém o que acabamos de conversar.

— Mas, por que não? Francamente, minha filha, não consi­go entendê-la. Só estou querendo ajudar.

— Por favor, não. Eu dispenso qualquer ajuda. Não há na­da que você possa fazer, portanto poupe-me o embaraço. Promete?

— Está bem, está bem; se é assim que você prefere. Mas acho que está cometendo um erro; uma conversinha franca poderia esclarecer tudo.

— Obrigada, mas não posso aceitar.

— Contudo, imponho uma condição — disse Júlia, deixan­do a filha apreensiva.

— Diga.

— Você tem de ir ao aniversário de Don Armando.

— Mamãe!

— Se quiser que eu prometa silêncio, terá de me prometer que irá à festa. Naturalmente, você vai precisar de um vestido novo. Talvez um penteado diferente também ajude. Afinal, esse rabo-de-cavalo a torna muito infantil, E então? Negócio fechado?

Domingo à tarde, Beatriz estava mais deprimida que nunca: sua mãe já fazia planos mirabolantes para a grande viagem de compras que fariam aquela semana, com o intuito de modifi­car seu guarda-roupa. Não que Beatriz desaprovasse a ideia, pois, no fundo, gostaria de comprar umas roupas mais femini­nas. Mas, e se não desse certo?

Recostada contra um carvalho, distraída, jogava pedrinhas na água de um pequeno lago natural. Durante os anos de in­fância, ela, Armando e Mário Calderón — um colega de escola — haviam passado horas maravilhosas ali. Os dois gostavam de sua companhia e sempre a traziam para pescar. Pena que com o tempo tudo tivesse se modificado...

Agora, Beatriz raramente se encontrava com Mário e, embora visse Armando com freqüência, tudo entre eles havia mu­dado. Tudo, exceto a atitude dele em relação a ela. Isso, Beatriz temia que jamais mudasse.

Será que um guarda-roupa novo faria alguma diferença?, indagava-se com incredulidade. E se ele a achasse ridícula ten­tando se fazer passar por uma moça sofisticada? Jamais suportaria tanta humilhação.

O vento assobiava por entre as folhas do carvalho e os ga­lhos dos pinheiros, e só quando Armando chegou bem perto foi que Beatriz ouviu o trotar de seu cavalo. Calada, viu-o descer do animal, com um movimento rápido, e soltar as rédeas. Am­bos sabiam que Lombardi não se afastaria dali.

— Eu sabia que a encontraria aqui — ele revelou, sorriden­te, ao sentar-se ao lado dela.

Olhando-o de relance, Beatriz voltou a fixar o olhar num ponto longínquo do horizonte e encolheu as pernas apoiando os braços sobre os joelhos.

— Não sabia que estava à minha procura — disse, desejan­do que ele não a tivesse encontrado para roubar-lhe o sossego.

— Ainda bem, senão teria escapado — Armando brincou. — Freddy me contou que a viu nesta direção; então, logo imaginei que tivesse rumado para cá. Aliás, eu não me surpreenderia se a en­contrasse mergulhando nua; não seria a primeira vez.

— Mas seria certamente a última — ela garantiu, desviando o rosto corado.

— Ora, por quê? — Armando quis saber, provocando-a. — Eu com certeza ficaria fascinado com sua beleza.

— Não tenho tanta certeza assim — Beatriz revidou, empurrando-o carinhosamente. A proximidade dele a per­turbava.

— A última vez em que a vi nadando nua confesso que fi­quei muito impressionado.

— Não diga bobagens; eu só tinha doze anos!

— Mas já prometia transformar-se numa moça linda.

— Vamos mudar de assunto? — ela sugeriu. — Ou melhor: por que você não vai embora e me deixa em paz?

— Sinto muito, mas é impossível.

— Por quê?

Ele se acomodou melhor, estirando-se sobre a grama, puxou o chapéu sobre os olhos e cruzou os braços sob a nuca.

— Eu e Lombardi estamos exaustos.

Beatriz olhou para o garanhão cinzento que pastava ao lado de sua égua. Cavalo e cavaleiro, ambos eram belíssimos e formavam uma dupla sem igual. Seus olhos fixaram-se em Armando, ali a seu lado, e uma onda de calor aqueceu-a. Murmu­rando algo incompreensível, apanhou um galho seco, começou a quebrá-lo em pedacinhos e atirá-los no lago.

Armando caiu na gargalhada.

— Ora, você não está sendo nem um pouco gentil, Betty. Isso é jeito de me recepcionar? Deveria estar grata por Freddy ter me dito onde encontrá-la.

— Puxa, que sorte a minha! — exclamou com ironia, dese­jando esganar o capataz.


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sexta-feira, 11 de abril de 2014

Algo mais sério e profundo


Conformada, Beatriz deixou-se afundar na poltrona frente à escrivaninha e gemeu, pois sabia que sua mãe falava sério. Quando algo a intrigava, Júlia ia ao fundo da questão, a qual­quer custo.

— Está bem, já que você insiste. Esta manhã, escutei uma conversa particular entre Don Roberto e Armando.

— Beatriz, você ficou escutando conversa alheia?

— Sim, fiquei — confessou, encabuladíssima.

— Que ótimo! — Júlia exclamou batendo palmas. — Va­mos, conte logo. O que foi que você ouviu?

Inconformada, Beatriz balançou a cabeça e riu. Apesar de ela ter seus vinte e dois anos, a mãe ainda conseguia surpreendê-la. Podia jurar que Júlia fosse lhe passar uma descompostura; no entanto, lá estava ela, curiosíssima, sentada na ponta da poltrona.

Tirando partido da situação, resolveu ir direto ao assunto:

— Don Roberto quer que Armando se case comigo.

Júlia arregalou os olhos e pulou da cadeira.

— Que maravilha! Sempre o julguei um homem de bom sen­so. E quando será o casamento?

Diante de tanto entusiasmo, Beatriz arrependeu-se da tá­tica, pois não julgava que Júlia levasse a coisa tão a sério.

— Não, mamãe, você não entendeu. Não haverá casamento nenhum.

— Como? Por que não? — ela indagou, indignada. — Você disse que Don Roberto quer.

— Mas Armando não.

Júlia ficou pasma.

— Não? Como não?

Beatriz não conseguiu encará-la e desviou o olhar.

Se você não se importa, prefiro não discutir o assunto. Além disso, eu não me casaria com Armando, mesmo que ele quisesse.

— Ora, não seja tola! Claro que vocês vão se casar! Há tem­pos que se amam. É só uma questão de tempo, e Don Armando vai aca­bar amadurecendo. Ele precisa se estabelecer na vida.

As palavras de Júlia deixaram Beatriz encabulada, pois nunca imaginara que sua mãe soubesse daquela paixão; não ela, sempre tão avoada.

— Ele ainda não se julga preparado para o casamento, ma­mãe e, mesmo que se julgasse, eu seria a última mulher por quem se interessaria.

— Não seja ridícula, ele sempre teve uma queda por você.

Beatriz teve vontade de mudar de assunto, mas sabia que não conseguiria.

— Sim, ele gosta de mim, mamãe, mas como irmã; não co­mo amante. Portanto, desista da ideia. Finais felizes só acon­tecem nos seus livros.

— Não há nada de errado com meus livros.

— Claro que não — Beatriz esclareceu rapidamente —, são os melhores no gênero. Só que não condizem com a reali­dade. Na vida, as coisas nem sempre acontecem como planejamos. Confesso que fui apaixonada por Armando, quando era mais jovem, mas hoje, que sou adulta, a situação é outra.

E não se preocupou em explicar que a paixonite juvenil transformara-se em algo mais sério e profundo.

— Querida, não diga bobagens — aconselhou Júlia. — Creia em mim: vocês dois foram feitos um para o outro.

— Mamãe, você está se esquecendo de uma coisa: eu ouvi os dois conversarem e sei que Don Roberto não pode obrigá-lo a se casar comigo. Armando deixou bem claro que é contra a ideia e alegou que... Bem, que... prefere uma esposa da mesma ida­de que ele e mais experiente do que eu. — Lutando contra o ímpeto de chorar, ensaiou um sorriso falso. — Portanto, não alimente ilusões.


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quinta-feira, 10 de abril de 2014

Amigos. Bons amigos.


Beatriz riu da pergunta, já tão típica. Júlia podia passar semanas e semanas sem sequer notar-lhe a existência; então, de repente, queria um relatório completo de suas atividades para, de novo, envolver-se com o trabalho e relegá-la a segundo plano.

— Nada de interessante.

Seu desejo era poder sentar-se e abrir-se com a mãe, contando-lhe, por exemplo, o que acontecera aquela manhã, mas era im­possível. Mesmo por que Júlia, quando queria, agia como uma verdadeira supermãe, partindo em sua defesa contra quem quer que fosse. Seria extremamente embaraçoso para todos se ela resolvesse telefonar para os Mendoza a fim de tomar satis­fações.

— Você já escolheu um vestido para usar na festa de aniver­sário de Armando? — Júlia perguntou, interrompendo-lhe os pen­samentos. — Vai ser o grande acontecimento do ano.

Beatriz havia se esquecido por completo da festa e, agora que o assunto viera à tona, procurava uma desculpa para se au­sentar.

— Eu estive pensando e acho que este ano não irei à festa — comentou, como quem não quer nada, folheando as pági­nas que segurava. Sua mãe ficou chocada com a ideia. — An­do com saudade da Vovó Pinzón. Acho que vou vê-la.

A desculpa não era das mais convincentes, mas foi a melhor que lhe ocorreu.

— Você ficou maluca? Perder a melhor festa de toda a re­gião para ir visitar sua avó? Aposto que ela nem sente sua falta.

— Não fale assim, mamãe. Ela está ficando idosa e sempre me quis bem.

— Já eu não posso dizer o mesmo: ela nunca me suportou. Primeiro, achava que eu não era a moça ideal para o seu pai; depois, me criticou por ter me casado pela segunda vez. Mes­mo depois de cinco anos de viuvez. Não foi fácil enfrentá-la. Não sei o que teria sido de mim sem o apoio de Don Roberto e Armando.

— Não seja ridícula, mamãe — Beatriz a repreendeu. — Nunca pedimos um centavo aos Mendoza, além do que Hermes nos deixou. E teríamos nos virado muito bem mesmo sem aquele dinheiro. Papai nos deixou tranqüilas, e além disso temos os direitos autorais dos livros. Não precisamos da ajuda de ninguém.

— Filhinha, não estou falando de dinheiro. É tão reconfortante poder contar com a presença de um homem forte ao nos­so lado quando as coisas não vão bem. — E suspirou, com uma fisionomia sonhadora. — Don Roberto é um homem maravilhoso e bem conservado para a idade dele, apesar de um tanto rude. E Don Armando, então, é um amor. — A expressão sonhadora deu lugar a um gesto determinado. — E não podemos desapontá-lo faltando à festa.

— Mamãe, Armando não ia nem sentir nossa falta. Além disso, não estou dizendo para que você não vá. Eu é que não estou com vontade.

— Ah! — Júlia exclamou, triunfante. — Então, há um ou­tro motivo por trás dessa sua desculpa de querer ir visitar sua avó! Vamos, conte-me o que está acontecendo. Afinal, você e Don Armando sempre foram bons amigos.

Beatriz riu de modo amargo.

— É... amigos. Bons amigos.

— Claro; e não é uma discussão à toa que vai destruir essa amizade. Agora, conte-me. Você sabe que não lhe darei sosse­go enquanto não souber o que está havendo.

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quarta-feira, 9 de abril de 2014

Conquistá-lo como mulher


Guardava-se para Armando porque sabia que o amava e alimen­tava esperanças de um dia conseguir conquistá-lo como mulher. Naquele momento, no entanto, temia que suas esperanças jamais se concretizassem.

Desanimada, estacionou a caminhonete à porta da casa. Ela e a mãe moravam numa bela construção em estilo rústico, cuja fachada em pedra e madeira lembrava a mansão dos Mendoza, só que numa versão bem menor.

Uma rajada de vento levantou uma nuvem de poeira, enquanto ela subia os degraus de pedra que levavam à entrada da frente. Ao entrar, bateu a porta com força.

— É você, querida? — perguntou a mãe, do escritório. Beatriz arrependeu-se de ter batido a porta e, com isso, chamado a atenção da mãe. Preferia ter subido direto para o quarto.

Respirando fundo, rumou ao encontro da mãe. Apesar do mau humor, não pôde conter o riso quando a encontrou senta­da à mesa praticamente escondida atrás de uma pilha de pa­péis. O vestido, de chiffon verde-claro, esvoaçava a cada movimento, tornando-a ainda mais feminina. Apesar dos ócu­los com aro de tartaruga que destoavam da aparência coquete.

Mas, por trás da fachada frágil e sofisticada, encontrava-se uma famosa escritora, autora de diversos romances policiais res­peitados pela crítica. No dia-a-dia, Júlia Pinzón gostava de passar aquela imagem delicada e avoada de mulher frívola, mas, quando a situação o exigia, exibia uma determinação in­vejável.

— Você me chamou, mamãe? — Beatriz perguntou. Por um momento, Júlia ergueu o rosto e fitou-a com uma expressão distante, mas, de repente, como num passe de mági­ca, seus olhos azuis-claros adquiriram brilho.

— Ah, filhinha, que bom vê-la. Deseja alguma coisa?

Beatriz suspirou, desanimada. Era difícil conversar quando Júlia estava trabalhando.

— Foi você quem me chamou.

— Eu? — Júlia indagou, perplexa.

— Hum, hum — Beatriz garantiu, achando graça na dis­tração. — Por acaso não foi por causa desses papéis que está segurando?

Júlia olhou-os, espantada, como se alguém os tivesse posto nas mãos.

— Oh, sim, sim! — exclamou, feliz por ter retomado o ra­ciocínio. — Ah, filhinha, não sei o que seria de mim sem você. — Ajeitando melhor os óculos, prosseguiu: — Deixe-me ver... Ah, sim. Comecei um livro novo e gostaria que lesse este capí­tulo e me desse sua opinião. Se gostar, pode datilografá-lo pa­ra mim?

Entregando o manuscrito para a filha, suspirou e recostou-se na enorme poltrona de couro.

— É só. E você, querida? O que tem feito?


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terça-feira, 8 de abril de 2014

Quatro anos na universidade


Enquanto seguia pelas estradinhas tortuosas que já lhe eram tão familiares, Beatriz recordava-se da conversa que entreouvira.

Era inútil tentar enganar-se dizendo a si própria que jamais pensara em se casar com Armando. Tinha-o como um verdadeiro herói desde os dez anos de idade, quando sua mãe se casou com Don Hermes Pinzón, um parente distante dos Mendoza, e to­dos vieram morar ali entre as montanhas belíssimas do Bogotá. Apaixonou-se por Armando e pela paisagem assim que pôs os pés ali, e havia doze anos que seu amor por ambos permane­cia inalterado. Os quatro anos que passara longe dali, na uni­versidade, haviam sido um castigo.

Mas, mesmo apaixonada, tinha consciência dos defeitos de Armando. O pior deles, a seu ver, era a preferência por mulheres adultas e experientes, O que foi mesmo que ele dissera a respei­to dela? Ah, que a julgava muito imatura... Que humilhação! Era inexperiente, sim, mas e daí? Poderia ter tido uma vida sentimental bastante agitada, caso tivesse desejado aproveitar as oportunidades que lhe haviam surgido, mas, para ela, quali­dade era mais importante do que quantidade. Orgulhava-se de ter passado quatro anos na universidade, longe da família; sem nunca ter ido para a cama com um rapaz.



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segunda-feira, 7 de abril de 2014

O último homem da face da Terra!


Sem se dar ao trabalho de responder-lhe, subiu na traseira da caminhonete, pegou o estepe e o jogou ao chão. O pneu caiu a poucos centímetros de onde Armando estava agachado.

— Ei! Cuidado com isso! — ele gritou, assustado, olhando-a com ares de zangado.

Beatriz encontrava-se debruçada sobre a guarda da carroceria. O sol forte produzia uns reflexos avermelhados em seus cabelos, deixando-a absolutamente encantadora. Uma mancha de graxa sujava-lhe a ponta do nariz e a camisa, atraindo o olhar de Armando para a curva de seus seios. Ela mais parecia uma ama­zona, dona de uma beleza selvagem e sensual.

Após sair daquele transe, Armando balançou a cabeça e voltou a se concentrar na tarefa que tinha à frente. Porém, já tendo erguido a caminhonete, começava a tirar os parafusos, quando ela saltou da carroceria.

— Droga! O que está pretendendo fazer? Quer me matar do coração? — Armando gritou, deixando cair a chave de roda.

Beatriz riu.

— Não seja tão dramático; eu só pulei da caminhonete. Um homem tão valente não se deixa assustar por uma garota tão frágil como eu.

— Caso ainda não tenha notado, você não é tão frágil quanto se julga — disse, num tom um pouco lisonjeiro, que a deixou possessa.

— Sou bastante frágil, se comparada a você.

E, pondo fim àquela conversa, pegou a ferramenta que ela havia derrubado e começou a soltar os parafusos.

— Ei, pare com isso. Saia daí, senão não consigo trocar esse maldito pneu.

— Não precisa se incomodar — ela retrucou. — Mulheres fortes como eu não se deixam derrotar por um pneu furado.

O modo como Armando se referira a ela realmente a magoava. Sabia que era considerada uma garota forte, acostumada ao trabalho duro do campo, mas isso nunca atrapalhara sua feminilidade. Quando adolescente, o fato de ser mais alta do que a média das meninas da mesma idade e de ter os seios fartos lhe representava um obstáculo para o bom relacionamento com os rapazes, mas, com o tempo, aprendera a superar aqueles complexos e tirar proveito de sua beleza.

— Eu nunca insinuei que você fosse musculosa, mas tem de admitir que não é raquítica. Agora, deixa que eu continuo. Es­se parafuso aí eu não consegui soltar antes. Acho que vai pre­cisar de um pouco de óleo.

— Bobagem.

Nisso, ela tentou fazer mais força com a ferramenta, o pneu girou e acabou caindo sentada no chão.

Humilhada, Beatriz baixou o rosto e calou-se.

Armando sentiu-se responsável pelo ocorrido e, apelando para o espírito esportivo, pegou a ferramenta para prosseguir com o serviço. Para sua surpresa, ela não voltou a incomodá-lo e sim­plesmente entrou na caminhonete.

— Betty — disse ele, apoiando o braço na janela aberta. — Você sabe que teremos de discutir este assunto mais cedo ou mais tarde, não é?

Armando já não tinha mais dúvidas de que ela ouvira sua conver­sa com Roberto.

— Não vejo necessidade de falarmos no assunto — ela ga­rantiu, por não se julgar pronta a enfrentar uma discussão. — Para mim, ficou tudo muito claro. Mas, garanto que não pre­cisa se incomodar: eu não me casaria com você nem que fosse o último homem da face da Terra!

A mentira fez doer-lhe o coração. Amava-o muito e jamais se interessara por outro rapaz. Se ao menos conseguisse conquistá-lo...

— Vamos, Betty, seja razoável!

Porém, naquele exato momento, ela não estava querendo ser razoável: Sentia-se profundamente magoada.

Percebendo que seria inútil insistir naquela conversa, Armando suspirou e terminou de trocar o pneu. Não ia ser nada fácil convencê-la de que Roberto não tivera a intenção de faltar-lhe ao respeito, mas apenas de alertá-lo para o fato de que ela se transfomara numa mulher.

Trocado o pneu, Armando guardou as ferramentas e, antes que pudesse impedi-la, Beatriz deu a partida.

— Ei! Espere aí, ainda precisamos conversar.

— Não tenho mais nada para lhe dizer.

— Mas pensei que fosse me ajudar com o gado.

— Mudei de ideia — ela disse, simplesmente, já se afastando.

— E agora, o que eu faço? — Armando gritou. Ela sempre o aju­dara na vacinação.

Beatriz pôs a cabeça para fora da janela e gritou:

— Vire-se!


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domingo, 6 de abril de 2014

Apenas como uma priminha!


Armando saiu da cozinha, imaginando que Betty já estivesse no curral, porém, alguns metros adiante, encontrou-a deitada sob a caminhonete, tentando encaixar o macaco.

Calado, deteve-se imediatamente e pôs-se a observá-la de lon­ge. Seu corpo realmente se transformara da noite para o dia. As pernas, longas e bem torneadas, eram realçadas pelo jeans bem justo, e a cintura fina contrastava com os seios fartos. A um movimento dela, um dos botões da blusa se abriu deixando-o entrever a pele alva e macia.

Inconformado com o curso de seus pensamentos, Armando balançou a cabeça. Nunca pensara em Betty naqueles termos!

— Mas, afinal, o que é isso? — indagou em voz alta, cor­rendo os dedos pelos cabelos.

— O que você acha que é? — Beatriz retrucou, debaixo da caminhonete. — Brincadeira de esconde-esconde?

— Por que não me disse que o pneu tinha furado? — Armando perguntou, tirando-lhe o macaco das mãos e inserindo-o no lu­gar certo.

— Para ser franca, foi a primeira coisa que eu disse quando saí e vi o pneu murcho. Só que você não estava por perto para me escutar.

Aborrecida com o modo como ele a tratava, Beatriz ergueu-se e sacudiu a poeira da roupa.

— Sem gracinhas, está bem? Você podia perfeitamente ter falado a um dos rapazes, mas é orgulhosa demais para pedir ajuda. O freio de mão está puxado?

— Sim, chefe. E, se me der licença, posso trocá-lo sozinha.

Armando arrumou o chapéu e, sem conter uma gargalhada, er­gueu o rosto para fitá-la.

— Não é à toa que as intelectuais são famosas por terem tempe­ramento difícil. — E continuou, sério: — Faz parte de minha imagem de machista prestar pequenos favores a senhoritas frágeis e indefesas. Além disso, trocar pneu é coisa para homem.

Mesmo zangada, Beatriz achou-o lindo ali agachado ao lado da caminhonete, o topete caído sobre a testa. Seus olhos escuros brilhavam bem-humorados, e o sorriso largo deixava à mostra os dentes branquíssimos. Armando herdara dos antepas­sados índios um bronzeado lindo, que o tornava ainda mais ir­resistível aos olhos femininos. Beatriz nunca conhecera um rapaz tão másculo e atraente.

Pena que ele a visse apenas como uma priminha!


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sábado, 5 de abril de 2014

Por que não o notara antes?

Roberto tinha razão: o corpo, antes franzino, adquirira contor­nos arredondados e femininos. Por que não o notara antes?

Beatriz sentiu o sangue ferver-lhe nas veias, ao ser sub­metida àquela apreciação. O olhar atento de Armando percorria-lhe as curvas como se a desnudasse. Por fim, acabou perdendo a paciência e apoiou as mãos na cintura. Que petulância!

   Afinal, Don Armando, você precisa ou não da minha ajuda? — E, sentindo o rosto arder, percebera quanto fora infeliz na escolha das palavras. No entanto, prosseguiu; — Senão, vou fa­lar com Inezita — anunciou, pronta para abrir a porta da cozinha.

   O quê?! — O tom frio de Betty o trouxe de volta à rea­lidade. Absolutamente constrangido, abaixou o olhar e censurou-se pelo que havia feito. — Ah, não, não! Pode ir — garantiu, mas, antes que ela se afastasse, segurou-a pelo braço e a dete­ve: — Bem, Betty... isto é, aconteceu alguma coisa?

— Ora, imagine, Don Armando, que bobagem!

E, dando-lhe as costas, abriu a porta de vaivém que separa­va a cozinha do corredor, sem se importar em segurá-la para que ele passasse.

Armando continuou imóvel, no exato lugar onde estava. Franzindo a testa, ponderou sobre a hipótese de ela tê-los ouvido. Com certeza não teria gostado do modo como Roberto falara a respeito dela, a não ser, é claro, que se importasse com a opinião dele sobre suas qualidades de boa esposa. Mas algo lhe dizia que não era o caso.

Puxando o chapéu sobre a testa, torceu para que aquelas sus­peitas não tivessem fundamento, pois detestaria tê-la magoado.

Por outro lado, caso ela os tivesse ouvido, já estaria a par da ideia maluca de Roberto e trataria de se precaver, porque tam­bém a ela a ideia devia parecer totalmente absurda.

Mais animado, entrou na cozinha com um sorriso confiante, disposto a esclarecer de vez o mal-entendido.

   Onde está Betty? — perguntou, desapontado.

   Aqui ela não está — respondeu Inezita, afastando os ca­belos que lhe haviam caído sobre a testa.

   Eu sei disso. Quero saber para onde ela foi.

   Como posso saber? — ela revidou, como de costume, sem se intimidar diante do patrão. — Por acaso pareço um computador?

Rindo da pergunta, ele se aproximou e beijou-lhe carinhosa­mente as bochechas.

   Não, Inezita, você não se parece com um computador, mas é tão divertida quanto eles!

   Ora, seu moleque! Mais respeito comigo! Olhe que eu tro­quei suas fraldas e exijo que me trate com mais consideração! — disse brincando.

   Inezita, Inezita...

   E dê o fora daqui, senão vou ser obrigada a servir só uma sopa no jantar.

   Ah, essa não! — ele respondeu, divertindo-se. — Se é as­sim, irei embora já.


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